Por: Ricardo Rogers – Barra do Garças
Artigo de Opinião protegido pela Constituição
Após o sucesso de “Ainda Estou Aqui”, longa que rendeu a Fernanda Torres o Globo de Ouro e a provável estatueta do Oscar de Melhor Atriz, o debate sobre a história do Brasil nos anos de chumbo reacendeu com força. Mas, e se daqui a 40 anos, estivermos assistindo a outro filme sobre uma “ditadura” diferente, que nem sequer percebemos estar vivendo?
Hoje, vivemos numa democracia – ao menos é o que proclamamos. As instituições funcionam, o Estado de Direito prevalece, e a República, aparentemente, se mantém de pé. Contudo, a influência crescente do Poder Judiciário, que parece ter assumido o papel de “poder moderador” na República, levanta questões incômodas.
Basta observar o caso de Cleriston Pereira da Cunha, conhecido como “Clezão do Ramalho”. Aos 46 anos, ele morreu após uma parada cardíaca na Penitenciária da Papuda. Detido em Brasília por conta dos atos de 8 de janeiro, Clériston já tinha um parecer favorável de liberdade emitido pelo Ministério Público. Sua prisão preventiva, no entanto, se arrastou como tantas outras, resultado de uma aparente tendência de prolongar punições em nome de “garantias democráticas”.
A tragédia de Clériston não é isolada. Há também relatos de abusos na dosimetria de penas, decisões arbitrárias e até condenações de inocentes, pintando um cenário de um Poder Judiciário que, no afã de combater o caos, flerta com o autoritarismo. Afinal, em nome da estabilidade institucional, quantos direitos podem ser flexibilizados antes que as instituições se tornem um reflexo distorcido daquilo que deveriam proteger?
Liberdade para quem?
Se imaginarmos o Brasil em 2065, será que veremos filmes ou livros de história que retratem os dias de hoje como o período de uma “Ditadura Judicial”? As imagens de fardas podem substituir as de toga nos longas-metragens futuros, enquanto a narrativa gira em torno de prisões preventivas eternas, mortes negligenciadas e decisões judiciais tão pesadas que poderiam ser vistas como armas.
Esse cenário hipotético provoca uma reflexão: será que, no desejo de evitar os erros do passado, estamos construindo um novo tipo de autoritarismo? É uma questão incômoda, mas necessária. Se um dia olharmos para trás e reconhecermos uma “ditadura judicial”, será tarde demais para mudar o roteiro.
Enquanto celebramos Fernanda Torres por sua performance brilhante e revisitamos os horrores do passado, cabe a nós – protagonistas de nossa própria época – refletir sobre como queremos que nossa história seja contada. Afinal, o que hoje chamamos de democracia não pode se tornar, amanhã, um enredo de ficção distópica.
Ainda estamos aqui!
Artigo de Opinião escrito por Ricardo Rogers Mendonça Manciolli. DRT 1607/MT