Por: Ricardo Rogers
Na terça-feira, um anúncio retumbante ecoou desde os salões da Casa Branca até os becos de Gaza. Donald Trump, em um de seus discursos característicos, prometeu transformar a devastada Faixa de Gaza em uma “Riviera do Oriente Médio”. E, como se isso não bastasse, declarou que os dois milhões de palestinos que ali vivem seriam realocados para outros países, uma solução de aparente simplicidade para um problema que arde há gerações.
A proposta, se concretizada, marcaria um ponto de virada na geopolítica global, desencadeando conflitos diplomáticos e éticos de proporções inimagináveis. A ideia de desocupar uma terra para reconfigurá-la ao gosto do mercado de luxo não é nova — é um eufemismo elegante para políticas de deslocamento forçado que a História, essa juíza implacável, já condenou inúmeras vezes.
A retórica de “limpeza étnica” travestida de projetos urbanísticos remete aos capítulos mais sombrios da humanidade. As memórias ainda vivas do século XX deveriam nos ensinar que reorganizar territórios com base em pureza étnica e promessas de paz sempre resultam em tragédias humanas irreparáveis.
O toque de teorias conspiratórias que envolvem maçonaria e um “novo templo em Jerusalém” apenas salpica um pouco mais de sal na ferida. Mitos antigos são instrumentalizados para justificar interesses geopolíticos modernos, como se o conflito entre descendentes de Ismael e Jacó fosse uma disputa ancestral, e não uma criação contemporânea para justificar domínios de terra e poder.
Se os Estados Unidos decidissem seguir por essa trilha escorregadia, enfrentariam as duras consequências da lei do retorno. Essa lei, que opera tanto no campo espiritual quanto na realpolitik, ensina que ações extremas geram reações extremas. A História é testemunha de que povos expulsos de suas terras não desaparecem no esquecimento — resistem, sobrevivem, e muitas vezes retornam com mais força e propósito.
O maior erro das potências modernas é subestimar a memória e a identidade coletiva. Nenhuma “grande ordem mundial” pode apagar a história ou moldar o futuro sem enfrentar resistência. A promessa de uma Riviera sobre as ruínas de Gaza não é apenas uma ofensa às vítimas de décadas de conflito, mas uma ilusão perigosa de que o poder bruto pode suplantar a dignidade humana.